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Petite Fleur

Petite Fleur

A CEGONHA

Sábia nos seus objectivos a Natureza tratou de que fazer um filho fosse, em situações consentidas, um momento de prazer e que os intervenientes no processo não soubessem que estavam a fazer uma criança embora conscientes de que do acto tal poderia resultar.

Até há algumas décadas a esta parte - antes da descoberta das diversas pílulas, dos perservativos, dos laqueamentos de trompas, dos vários dispositivos que perservam a mulher em relação a uma gravidez indesejada e de muitas outras coisas que desconheço - as mulheres, embora fosse possível que uma virgem de trinta anos soubesse menos sobre o facto do que hoje uma garota de sete anos , sabiam que de uma ligação fisicamente intíma com um homem poderia resultar uma gravidez.

Com os homens a coisa era diferente. O assunto era delas. A Natureza se encarregara de lhes por no ventre por nove meses e vários incómodos um pequenino habitante que um dia, sabiam lá elas, tanto poderia vir a ser um triste como um grande homem. E, diga-se, o nascimento da criança estava longe, por melhor que corresse, do momento grandioso que lhe dera origem

Conheci, e conheço, várias mulheres que, umas de bom grado e sem o menor desejo ou necessidade de partilhar o filho, outras com muita revolta e sacrifício, se assumiram como mães solteiras e nem quiseram que eles perfilhassem as crianças. Dantes era um estigma, hoje, felizmente, já não é,

 Com as criadas isso, em certas casas, era frequentíssimo. "Elas" eram um lugar limpo para os meninos iniciarem a sua actividade sexual e, se a coisa corresse mal e "ela" engravidasse de duas uma: ou lhe arranjavam um marido a quem arranjavam emprego para que casasse e perfilhasse a criança como sendo dele ou, muito simplesmente mandavam a rapariga embora acusando-a de estar a criar uma situação desagradável por puro oportunismo.

Claro que tudo isto se passava quando não havia televisão, e os bebés chegavam de Paris no bico de uma cegonha já de fralda posta e chucha na boca. Hoje todas as crianças sabem tudo desde a mais tenra infância e se os pais não as industriarem o Estado encarrega-se de o fazer. Não há hoje, creio, ninguém, homem ou mulher com mais de dez anos, que não conheça as potenciais consequências de um acto sexual. O que pode faltar, isso sim, é a educação deles ir no sentido de explicitar os sarilhos que podem resultar dessa displescência.

Vem isto a propósito de dois casos em que devido a impulsos momentaneos se desfizeram dois casamentos felizes. Um que já levava quase quarenta anos de matrimónio e vários filhos e netos, outro o de um jovem casal com poucos meses de casados e estando a esposa com oito meses de gravidez e todos, pais, avós, e irmãos, felicissimos naquela espera.

Eis senão quando, em ambos os casos - no primeiro uma secretária que há mais de dez anos, ao que consta, consolava o senhor ao sábado, dia em que a mulher ficava com os netos e ele ficava livre para ir "para a Versailles ler os jornais, encontrar-se com os amigos e almoçar por lá ou em sítio sugerido por algum dos comparsas de tertúlia", a outra que, também ao que consta, mal soube que ele ia casar nos próximos meses - rapaz muito respeitador da noiva que, por sua vez, jamais conhecera qualquer atrevimento da parte dele- começou a chegar-se muito a ele e, numa noite de vela na clínica em que trabalhavam, ZUCA!, apanhou-o decerto sem grande dificuldade (noite, homem apaixonado - mesmo não sendo por ela...- e o corpos ali, sem quem lhes acudisse, nem sequer uma urgência...). Em ambos os casos as "piquenas" ficaram grávidas e, em ambos os casos os homens ficaram aterrados sem saber como desfazer o que tinham feito e que elas, graças a Deus, se recusavam a desfazer. Depois de muitas discussões, no segundo caso envolvendo os pais da jovem profissional que terão visto no caso mais uma oportunidade do que um acidente previsivel, surgiu a ameaça do fatal teste de ADN. Ambos os homens recusaram mas a verdade é que o consentimento deles não era sequer necessário. Ambas estavam dispostas a ir em frente. E foram! E ambos os casamentos terminaram ali, um transformado em escandalo familiar, outro culminando numa tremenda desilusão e, com o apoio dos pais da jovem noiva e recente mãe, disposta a não querer por-lhe mais os olhos em cima e a criar sozinha a criança.

Justa sentença, diremos, para os homens aprenderem que não podem andar para aí, desleixados e precipitadamente, sem se informarem primeiro - caso elas queiram dizer a verdade... - se elas estão protegidas ou de se protegerem eles. Contudo...

...há que ver o outro lado da coisa. Na melhor das hipóteses nenhum deles entra no jogo com a preocupação de que pode ter um filho! Quanto aos homens é mesmo uma certeza! Ambas sabiam que eles eram comprometidos.Um já avô, o outro a dois passos do casamento no fim de uma namoro de dois anos. É dificil pensar aquilo que talvez - quem sabe...- elas tenham pensado. Para uma o filho é uma reforma melhorada e a companhia garantida, para a outra era uma maneira de caçar um jovem clínico especializado numa universidade dos Estados Unidos e filho de gente bem e com bens. 

Foram dois natais estragados para várias pessoas e ambos. embora perfilhando as crianças e terem que ficar - legitimamente porque as crianças não tinham tido culpa de terem sido feitas assim "á vol d'oiseau" - a pagar pensão para o sustento e educação das crianças.

Tudo justíssimo! Mas ocorre-me perguntar: não terão os homens também razão para se queixarem de os terem feito pais sem primeiro se informarem se eles queriam correr esse risco? A solidariedade do acto só existe durante a execução do mesmo? Porque se podemos no mínimo dizer que, pelo menos no caso do jovem médico, eles foram imprudentes porque sabiam que tal podia acontecer, que dizer delas? Será que ainda acreditavam na cegonha? E, provavelmente, no Pai Natal...

Que estas coisas se passem com homens livres que apenas evitam responsabilidades pessoais admite-se.  Mas que se estraguem famílias, sem dó nem piedade, porque as tais "mulheres libertas" se esqueceram de avisar que não tinham tomado a pilula naquele dia ou que nunca a tinham tomado, é pura maldade. Para o homem, que acaba sendo um "anjinho" vestido de diabo, para as famílias, e até para as crianças que já nascem com uma complicada história a precedê-las. 

De "O BANQUEIRO ANARQUISTA"

"Como podia eu tornar-me superior à força do dinheiro? O processo mais simples era afastar-me da esfera da sua influência, isto é, da civilização: ir para um campo comer raizes e beber água  das nascentes, andar nu e viver como um animal. Mas isto, mesmo que não houvesse dificuldade em fazê-lo, não era combater uma ficção social; não era mesmo combater; era fugir. Realmente quem se esquiva a travar um combate não é derrotado nele. Mas moralmente é derrotado porque não se bateu. O processo tinha que ser outro - um processo de combate e não de fuga.

Como subjugar o dinheiro combatendo-o? Como furtar-me à sua influência e tirania não evitando o seu encontro? O processo era só um - adquiri-lo, adquiri-lo em quantidade bastante para não lhe sentir a influència: e em quanto mais quantidade o adquirisse, tanto mais livre estaria da sua influência, Foi quando vi isto claramente, com toda a força da minha convicção de anarquista, e toda a minha lógica de homem lúcido, que entrei na fase actual - a comercial e bancária, meu amigo - do meu anarquismo.

(...)

- Porque escolheu vocè esta fórmula extrema e não se decidiu por qualquer das outras... das intermédias?...

- Eu lhe digo. Eu meditei tudo isso. É claro que nos folhetos que eu lia havia todas essas teorias. Escolhi a teoria anarquista - a teoria extrema como você muito bem diz - pelas razões que lhe vou dizer em duas palavras.

Ficou um momento coisa nenhuma. Depois voltou-se para mim.

- O mal verdadeiro, o único mal, são as convenções e as ficções sociais, que se sobrepôem às realidades naturais - tudo, desde a família ao dinheiro, desde a religião ao estado. A gente nasce homem ou mulher - quero dizer nasce para ser, em adulto, homem ou mulher, não nasce , em boa justiça natural, nem para ser  marido, nem para ser rico ou pobre, como também não nasce para ser católico ou protestante, ou português ou inglês. É todas estas coisas em virtude das ficções sociais. Ora essas ficções sociais são más porquê? Porque são ficções, porque não são naturais! Se houvesse outras, que não fossem estas, seriam igualmente más, porque também seriam ficções, porque também se sobreporiam e estorvariam as realidades naturais.

(...)

-Qual é a ficção mais natural? Nenhuma é natural em si, porque é ficção. A mais natural, neste nosso caso, erá aquela que pareça mais natural, aquela que estamos habituados. (Você compreende: o que é natural é o que é do instinto: e o que, não sendo instinto, se parece em tudo com o instinto é o hábito, Ora qual é a ficção social que constiui um hábito nosso? É o actual sistema, o sistema burguês!"

 

Fernando Pessoa, editorial Nova Ática

Interessante  

A DESCIDA

Tentei hoje pela última vez entrar no facebook. Um disparate! Aquilo nunca me interessei nada por entrar lá e apenas o fiz porque, no negócio dos livros, alguém me sugeriu que fosse lá lê-lo. O "livro" era como tudo o que por lá se piblica mas eu viciei-me naqueles dálogos...que o não são. Com duas amigas ao lado, na Gulbenkian, depressa concluí que aquilo servia interesses que não eram os meus e que a maioria daquela gente não era a que eu respeitava. Tive inúmeras maçadas porque não sou do género de desistir e, mesmo por coisas que não valem nada - é bem mais interessante mandar um artigo bem fundamentado para um jornal onde tenhamos amigos ou enviar mensagens através deles do que perder um tempão ali quando há tanta coisa, bem mais criativa que negócios e voo de pássaros a fazer...- empenho-me sempre em ir até às últimas consequências. Só que, mesmo quando não respeito as pessoas tenho o maior respeito pelas instituições e pelas pessoas - não "gente" - que as servem ou representam.  Agora desisto mesmo, embora, até ver, ande por aqui.

A verdade é que as pessoas quando começam a descida moral, especialmente quando a caminho dos setenta, degradam-se. Nada mais ridiculo que um velho armado em Pigmaleão - que era um gentleman rico e elegante - a dar-se de jovem empreendedor! Até porque os pássaros têm tendência a poisar nas armações, mesmo nas dos veados. Acontece às vezes que quando acabam o trabalho cívico o aluno/a já está mais do que farto e eles mais do que velhos. O tempo passa depressa e se não procuramos perservar a imagem digna que um dia tivemos, ainda que tenhamos casado e baptizado todos os pretendentes a todas as coisas- bem aflitos que devem estar com a "honra"...- a nova sociedade onde vamos pedir a esmola de respeito nunca nos trará de volta o que perdemos e, mais depressa do que  os outros nos esquecem, cansar-seá de nós. Vale a pena pensar nisto...

De "O ARCO DO TRIUNFO" - Inquietação

"O quarto estava brilhantemente iluminado. Lembrou-se de que o deixara assim. O leito cintilava como se tivesse nevado sobre ele, inesperadamente. Ravic apanhou a folha de papel que colocara na mesa antes de sair e na qual avisava que estaria de volta dentro de meia hora e rasgou-a em pedacinhos. Procurou alguma coisa para beber. Nada encontrou. Desceu novamente as escadas. O  porteiro não tinha calvados. Sómente conhaque. Ravic levou consigo a garrafa de Hennessy e outra de Vouvray. Conversou uns instantes com o porteiro, provando-lhe que Lulu II teria melhores probabilidades na próxima corrida para cavalos de dois anos, em Saint-Cloud. O espanhol Alvarez passou junto deles. Ravic notou que ainda coxeava ligeiramente. Comprou então um jornal e voltou para o quarto. Como custava passar uma noite daquelas! Quem não acredita em milagres no que diz respeito ao amor está perdido, dissera o advogado Arensen, em Berlim, em 1938. duas semanas depois foi mandado para um campo de concentração porque a sua bem-amada o denunciara. Ravic abriu a garrafa de Vouvray e pegou num volume de Platão que estava sobre a mesa. Momentos depois largou o livro e sentou-se junto da janela.

Lançou um olhar ao telefone. Aquele maldito aparelho negro! Não podia telefonar a Joan. Não sabia o número. Nem sequer onde morava. Não lhe perguntara e Joan nada lhe dissera. Provavelmente calara-se de propósito. Assim restar-lhe-ia sempre uma desculpa.

Bebeu um copo de vinho leve. Que idiotice !- pensou. Aguardo uma mulher que esteve aqui ainda hoje, pela mahã. Durante três meses e meio não a vi e não senti tanto a falta dela como agora, quando passou longe de mim apenas um dia. Teria sido mais simples se nunca a tivesse visto. Já estava habituado à situação. Agora...

Levantou-se. Não era isto também. Era a incerteza que o corroía. Era a desconfiança que nele se insinuara e que aumentava de hora para hora.

Ravic foi até à porta. Sabia que não estava fechada, porém quis certificar-se mais uma vez. Começou a ler o jornal; leu-o como através de um véu. Disturbios na Polónia. O choque inevitável. A reivindicação do Corredor, o tratado da Inglaterra e da França com a Polónia. A guerra que se aproximava. Deixou cair o jornal e apagou a luz. Deitado na escuridão esperou. não podia dormir. Voltou a acender a luz. A garrafa de Hennessy achava-se sobre a mesa. Não a abriu. Levantou-se e foi sentar-se de novo perto da janela. A noite estava fresca, o céu alto carregado de estrelas. Alguns gatos miavam nos pátios. Olhou para o leito. Sabia que não poderia conciliar o sono. Inútil tentar ler. Mal se recordava do que lera antes. Sair - eis a melhor solução. Mas onde iria? Isso pouco importava. A verdade porém é que não desejava sair. Queria saber alguma coisa. Com os diabos! Procurou então os comprimidos de soporífero no bolso. Iguais aos que fornecera ao ruivo Finkenstein. Engoliu os comprimidos. Mesmo assim duvidava que conseguisse dormir. Engoliu mais um. Se Joan viesse despertaria.

Ela não veio. Como também não veio na noite seguinte."

Erich Maria Remarque, "Arco do Triunfo", ed. Livros do Brasil

 

Escrito no que foi o prelúdio da segunda guerra mundial por um médico alemão exilado em Paris, onde exerce medicina cirúrgica clandestinamente, é o relato intímo e vivido numa cidade onde convivem todas as convicções políticas da Europa e todas as consequentes solidões e humanas inquietações. Pelo meio uma história de amor sem lugar, magistralmente interpretada por Ingrid Bergman e (creio...) Curd Jurgens. Um livro que vale a pena ler, ou reler. Da minha geração, quem não se lembrará deste filme!  

A MORTE do "petit prince"

Maneira triste de começar uma nova série de blogs em começo de ano! A verdade porém é que não podia deixar passar em brancas núvens o fim do que foi durante mais de sete anos o meu blog no SAPO.

Obviamente que o "petitprince" não morreu! Aconteceu ter sido engolido por um qualquer homúnculo desprezivel que o vomita a toda a hora. Só hoje, dia 2 de Janeiro, já lá botou quase uma dúzia de textos - encimado um deles por uma belíssima fotografia de D. Manuel Clemente com o seu riso são e aberto  - de onde se depreende que seja alguém que, para além de louco não identificado pelos serviços, não tenha nada com que se entreter para além de por o passarinho a voar... caso ele voe!  E tem sido assim diariamente, usando a minha chave de ingresso e, consquentemente, impedindo-me de entrar no espaço que me roubou. Meu pobre e querido Principezinho!

Porém, não sei porque motivo, sou "compensada" com dois corações quer na entrada dos Blogs quer na entrada do meu post. Saloices! E sobre este enxovalhado assunto nada mais direi, mais que não seja para não prejudicar o ganha-pão do infeliz hacker.

Este meu novo blog destina-se especialmente à divulgação de textos que, sendo de tempos passados, alguns bem remotos, são de uma tal actualidade que nos levam a concluir que os homens são, na sua diversidade sempre os mesmos e que reagem socialmente de modos idênticos, embora interiorizando o "clima" social da época.

Como o adorável Petit Prince não encontraremos outro. Partiu para o seu planeta com a sabedoria que só nos é proporcionada quando sem sobressaltos olhamos com amor a Natureza e o que de mais simples ela tem. 

FELIZ ANO, com a energia da acção e a inteligência da escolha! 

 

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