A SUBLIME IGNORÃNCIA
Vem isto a propósito de uma ida a uma estação dos Correios para registar uma carta. Havia uma fila grande gente à minha frente e isso deu para observar todos os produtos que por lá estavam expostos. Espantou-me a quantidade livros e, especialmente, a qualidade "didáctica" com que se apresentavam. Todos, sobretudo todas, tinham conselhos a dar sobre a educação de filhos, ainda que fosse através da Astrologia, sobre os diferentes modos de encarar a vida nas suas diversidades e adversidades, sobre o amor, sobre tudo o que lhes vem à cabeça quando lhes dá para escrever. Mulheres decerto inspiradas pelos exitos que terão tido como mulheres ou como mães, o que lhes confere a missão de orientar as outras nesses caminhos.
A verdade é que ali estavam prateleiras e mesas cheias de conselhos - muito provavelmente insuflados em anos de psicanálise... - apelando ao lazer dos eventuais "clientes", num lugar onde seria de bom-senso e de bom gosto expor os nossos grandes escritores que, no meio desta avalanche de literatura que não tardará um ano sem que seja vendida a peso como papel para reciclagem, se distanciam cada vez mais do convívio com os leitores. Nomes como Eça, Aquilino, Raúl Brandão, Camilo, Paço d' Arcos, Ramalho, Pessoa - este, talvez pelo isoterismo que o envolve, reservado a tertúlias pessoanas - Pascoais, Fialho, e tantos outros grandes escritores e poetas de Língua portuguesa que são lidos em todo o mundo e que ficariam bem nos escaparates convidativos das estações de Correios. Acresce que o funcionário que me atendeu me deu conta da disputa levada a cabo por escrevinhadores e editores no sentido de os seus livros ocuparem os lugares mais chamativos. "Um inferno!".
A verdade é que escrever já não é mais uma actividade lúdica! Poucos são os que ainda escrevem cartas das que eram segredos sobre pensamentos, lugares ou sentimentos directos ao coração dos Amigos, e creio que menos ainda aqueles que mantêm um diário onde se vão dando conta do caminho percorrido, das suas esperanças, contradições, alegrias, desilusões. Hoje, apesar dos queixumes colectivos, toda a gente diz considerar-se heroicamente feliz ou em vias de o ser, e acha que deve partilhar esse estado de espírito - se tal se lhe pode chamar...- com os "infelizes" que, partindo da generalização do colectivo, andam por aí perdidos "à la recherche d'un heureux conseil".
Acontece que a edição tornou-se um modo de vida dos mais rentáveis e com menos empate de capital. Não me refiro, claro, aos Editores com um lugar já consagrado que nos leva a confiar no editado, mas a uma máquina editorial que se serve de tudo o que apareça escrito, desde um slogan de parede aos muitos textos, melhores ou piores, que circulam nas redes sociais. Tudo serve de inspiração a um qualquer "argumentista" que pega na ideia, dá uma volta ao texto para não parecer plágio, tira metade de um comentário do Face e completa-o com algo semelhante que leu no Twitter, recorre às estatísticas para conhecer a medida de "gostos" que merece, e temos romance! Caso valha a pena, põe-se o tradutor automático a funcionar, acrescentam-se na página de edição os nomes de dois ou três amigos como tradutores e revisores, e, caso o escrevinhador se ponha com exigências, pede-se a uma Editora que o aceite como subcontratado para ter direito a um lugar num livreiro.
O mesmo se passa com as publicações de imagens postadas nas redes sociais que, diga-se, se bem escolhidas dão ricas capas a pobres livros. Melhor ainda se "os business angels" forem chamados a colaborar através do aperfeiçoamento dos desenhos gratuitos dos internautas. Um negócio primorosamente montado, que não tem nada que o confunda com cultura, uma escrita feita pela máquina e para a máquina, a ciência da ficção em que, creio, o único que poderá ter algum encargo é o escritor desejoso de se ver publicado e aceder assim ao estrelato de um escaparate de um qualquer lugar de venda de jornais e revistas ou, se for bem relacionado, conseguir que um incauto empregado do livreiro lhe coloque o título entre os "top" mesmo que ninguém ainda o tenha comprado.
O panorama cultural português empobrece todos os dias! Seja sendo vítima de expedientes que banalizam pela quantidade o que deveria optar pela qualidade, seja, no inverso, pela falta de escolha de qualidade que os canais nacionais - os únicos a que a maior parte dos portugueses têm acesso - proporcionam. Alem dos noticiários - repetitivos, arrasadores de esperança ou vendedores de mensagens consideradas politicamente corretas pelos emissores - os programas são de uma impressionante miséria e vivem seja de uma espécie de lotarias telefónicas que muitos acharão convidativas, seja das oportunidades que são dadas aos participantes dos vários programas de gozarem o seu quarto de hora de glória.
Acontece, como vi hoje num qualquer noticiário, Catarina Vaz Pinto - mulher de Guterres? - dar-nos conta de algo interessante que tem que ver com o nosso passado, ainda que tratando-se da Sinagoga de Amesterdão, datada do sec. dezasseis, mandada construir pelos judeus portugueses e primorosamente conservada. Nisso se perdeu, contudo, a oportunidade de dizer que essa riqueza se ficara a dever à exploração das minas de diamantes e outras pedras preciosas levada a cabo pelos judeus no Brasil, com mão de obra angolana e guineeense, durante mais de um século, e que era comercializada na Holanda onde se concentravam os maiores lapidadores de pedras preciosas. Portugal, como sempre, pouco ganhou com isso. E o mesmo aconteceria com as minas de diamantes de Angola...
A verdade é que ninguém fala de nós! A preocupação com "a imagem" não deve inquietar-nos. Não há jornal ou revista estrangeira que se lembre que existimos, a menos que se trate de Ronaldo - com menção nas páginas centrais no ABC de Madrid -, ou do ex-misnistro Arnaud por algo que envolve as relações da política com a Banca internacional, com o BES pelo meio