Vivemos numa espécia de sono em que o sonho alterna com o pesadelo e em que corremos o risco de não distinguir entre ambos, tal a confusão gerada pelas ilusões com que os envolvem e que inviabilizam qualquer esperança de conhecero grau de identidade - se algum... que poderão ter com a verdade.
Aquilo a que chamamos "mundo" mudou muito, há já bastante tempo e de forma subreptícia e acelerada.
A "realidade", tal como a aprendemos e na qual decorriam as nossas vidas é hoje uma virtualidade. Nada, ou muito pouco, daquilo em que nos fazem crer, é real no sentido em que nos habituámos a identificar a realidade com a verdade dos factos.
E isto não decorre apenas da perversidade dos actuais ou potenciais detentores dos vários poderes, mas mas do modo como eles se relacionam entre si, numa vastíssima sociedade secreta que abarca no seu mutante secretismo todas as até há pouco consideradas "sociedades secretas". De vez em quando atiram-nos com uma nova "sociedade secreta" - caso de Bilderbeg - divulgada pelos próprios para que haja um osso democrático com que se entretenham os povos enquanto a Grande Sociedade Secreta Mundial trata de coisas sérias, das que nem os seus membros ainda têm perfeito conhecimento mas segundo as quais visam, com a multiplicação dos meios de que dispõem - e que, curiosamente, são os mesmos de que dispomos mas acérrimamente vigiados e controlados pelas mais diversas instâncias desse obscuro Poder - criar um mundo que os satisfaça a todos. Pretensão grandiosa e impossível que, muito provavelmente, terminará numa guerra em que se degladiem o real humano e as virtualidades da técnica.
É frequente quando alguém menciona um facto socialmente mais transcendente alguém dizer: "Este anda a ver muita televisão... E, contudo, muito do que nos chega nas séries da Fox e em vários documentários que, "et pour cause", só passam quando quem trabalha já se recolheu, descodificam muito dos processos que conduzem a factos "inexplicáveis" com que a comunicação social nos confronta diariamente e para os quais, segundo os nossos valores e imagem que guardamos de uma realidadee que já não o é, não encontramos explicação. Impotentes, lamentamos a proliferação desses factos e seguimos em frente sem nos apercebermos dessa nova realidade e da virtualidade que é viver numa sociedade há muito extinta.
A verdade é que a WEB não é apenas uma rede de pescar que alimenta a publicidade, mas uma rede de prender,de malhas cada vez mais fechadas, onde cada um de nós é, sem que disso se aperceba, um nó em linha com uma infinita e incontrolável infidade de ligações. Somos, sem nos darmos conta, os mensageiros de tudo o que, de melhor ou pior, os que tecem a rede nos deixam capturar. E fazêmo-lo sem certezas, Apenas com suspeitas, porque o mundo deixou de nos merecer confiança e já nos habituámos a viver com isso.
Sabemos que enquanto escrevemos alguém nos vai lendo, que as comunicações de voz são quase públicas e mesmo gravadas, sabemos, porque a verdadeira realidade assim o exige, que, para nossa segurança, vivemos sob aturada vigilância. A liberdade, tão valorizada e proclamada como valor primordial, reduz-se à liberdade de um Charlie.
Daí a saudável necessidade de, por uma questão de consciência, nos alhearmos do que apenas existe porque nos dizem, dos que afirmam fazer opinião, dos que, manhosamente,afirmam ser seu desejo dar-nos espaço para pensar (como eles, claro!), dos que se pavoneiam de gravata roxa ou de qualquer outra cor no intuito de irem criando a sua própria rede, rede que, ignoram eles, será apertada pelas fortes malhas das circunstâncias.
O que se passou agora na Grécia, seja qual for o desfecho, foi a tentativa de um Povo que descobriu as virtualidades da inteligência de provar que há quem creia que a realidade, por pior que seja, ainda é possível. Aquilo é verdade!
Por cá congregar-se-ão linhas partidárias, ideais, movimentos, circulos, e os habituais topa-tudo que nunca desperdiçaram um contacto e que, subservientemente, se disporão a po-los ao serviço de todas as causas. Porque já não é de ideiologias que se trata, nem sequer de ideais. É de Poder que se trata e daquilo que o alimenta. É essa a motivação que faz emergir insuspeitas colónias de prestáveis servidores.
Não é de espantar que a Religião regresse ao papel que sempre teve na vida das comunidades humanas. A Religião é, em si, a essência do transcendente, do que não precisa ser explicado nem útil porque é inerente ao Homem, iniciático e alheio a todas as entropias que os séculos e o conhecimento acumulem.
Magoa ver atacar qualquer religião ainda que não seja a nossa. Mais magoa assistir à falta de empenho com que defendemos a nossa! Como se tudo se reduzisse à tolerância, ao acolhimento do inimigo, à prática programática - e tantas vezes duvidosa - do bem, a duas ou três das vinte e quatro horas do dia a pedir ou a agradecer a Deus. Que se passa nas outras???
Vem isto a propósito de uma ida a uma estação dos Correios para registar uma carta. Havia uma fila grande gente à minha frente e isso deu para observar todos os produtos que por lá estavam expostos. Espantou-me a quantidade livros e, especialmente, a qualidade "didáctica" com que se apresentavam. Todos, sobretudo todas, tinham conselhos a dar sobre a educação de filhos, ainda que fosse através da Astrologia, sobre os diferentes modos de encarar a vida nas suas diversidades e adversidades, sobre o amor, sobre tudo o que lhes vem à cabeça quando lhes dá para escrever. Mulheres decerto inspiradas pelos exitos que terão tido como mulheres ou como mães, o que lhes confere a missão de orientar as outras nesses caminhos.
A verdade é que ali estavam prateleiras e mesas cheias de conselhos - muito provavelmente insuflados em anos de psicanálise... - apelando ao lazer dos eventuais "clientes", num lugar onde seria de bom-senso e de bom gosto expor os nossos grandes escritores que, no meio desta avalanche de literatura que não tardará um ano sem que seja vendida a peso como papel para reciclagem, se distanciam cada vez mais do convívio com os leitores. Nomes como Eça, Aquilino, Raúl Brandão, Camilo, Paço d' Arcos, Ramalho, Pessoa - este, talvez pelo isoterismo que o envolve, reservado a tertúlias pessoanas - Pascoais, Fialho, e tantos outros grandes escritores e poetas de Língua portuguesa que são lidos em todo o mundo e que ficariam bem nos escaparates convidativos das estações de Correios. Acresce que o funcionário que me atendeu me deu conta da disputa levada a cabo por escrevinhadores e editores no sentido de os seus livros ocuparem os lugares mais chamativos. "Um inferno!".
A verdade é que escrever já não é mais uma actividade lúdica! Poucos são os que ainda escrevem cartas das que eram segredos sobre pensamentos, lugares ou sentimentos directos ao coração dos Amigos, e creio que menos ainda aqueles que mantêm um diário onde se vão dando conta do caminho percorrido, das suas esperanças, contradições, alegrias, desilusões. Hoje, apesar dos queixumes colectivos, toda a gente diz considerar-se heroicamente feliz ou em vias de o ser, e acha que deve partilhar esse estado de espírito - se tal se lhe pode chamar...- com os "infelizes" que, partindo da generalização do colectivo, andam por aí perdidos "à la recherche d'un heureux conseil".
Acontece que a edição tornou-se um modo de vida dos mais rentáveis e com menos empate de capital. Não me refiro, claro, aos Editores com um lugar já consagrado que nos leva a confiar no editado, mas a uma máquina editorial que se serve de tudo o que apareça escrito, desde um slogan de parede aos muitos textos, melhores ou piores, que circulam nas redes sociais. Tudo serve de inspiração a um qualquer "argumentista" que pega na ideia, dá uma volta ao texto para não parecer plágio, tira metade de um comentário do Face e completa-o com algo semelhante que leu no Twitter, recorre às estatísticas para conhecer a medida de "gostos" que merece, e temos romance! Caso valha a pena, põe-se o tradutor automático a funcionar, acrescentam-se na página de edição os nomes de dois ou três amigos como tradutores e revisores, e, caso o escrevinhador se ponha com exigências, pede-se a uma Editora que o aceite como subcontratado para ter direito a um lugar num livreiro.
O mesmo se passa com as publicações de imagens postadas nas redes sociais que, diga-se, se bem escolhidas dão ricas capas a pobres livros. Melhor ainda se "os business angels" forem chamados a colaborar através do aperfeiçoamento dos desenhos gratuitos dos internautas. Um negócio primorosamente montado, que não tem nada que o confunda com cultura, uma escrita feita pela máquina e para a máquina, a ciência da ficção em que, creio, o único que poderá ter algum encargo é o escritor desejoso de se ver publicado e aceder assim ao estrelato de um escaparate de um qualquer lugar de venda de jornais e revistas ou, se for bem relacionado, conseguir que um incauto empregado do livreiro lhe coloque o título entre os "top" mesmo que ninguém ainda o tenha comprado.
O panorama cultural português empobrece todos os dias! Seja sendo vítima de expedientes que banalizam pela quantidade o que deveria optar pela qualidade, seja, no inverso, pela falta de escolha de qualidade que os canais nacionais - os únicos a que a maior parte dos portugueses têm acesso - proporcionam. Alem dos noticiários - repetitivos, arrasadores de esperança ou vendedores de mensagens consideradas politicamente corretas pelos emissores - os programas são de uma impressionante miséria e vivem seja de uma espécie de lotarias telefónicas que muitos acharão convidativas, seja das oportunidades que são dadas aos participantes dos vários programas de gozarem o seu quarto de hora de glória.
Acontece, como vi hoje num qualquer noticiário, Catarina Vaz Pinto - mulher de Guterres? - dar-nos conta de algo interessante que tem que ver com o nosso passado, ainda que tratando-se da Sinagoga de Amesterdão, datada do sec. dezasseis, mandada construir pelos judeus portugueses e primorosamente conservada. Nisso se perdeu, contudo, a oportunidade de dizer que essa riqueza se ficara a dever à exploração das minas de diamantes e outras pedras preciosas levada a cabo pelos judeus no Brasil, com mão de obra angolana e guineeense, durante mais de um século, e que era comercializada na Holanda onde se concentravam os maiores lapidadores de pedras preciosas. Portugal, como sempre, pouco ganhou com isso. E o mesmo aconteceria com as minas de diamantes de Angola...
A verdade é que ninguém fala de nós! A preocupação com "a imagem" não deve inquietar-nos. Não há jornal ou revista estrangeira que se lembre que existimos, a menos que se trate de Ronaldo - com menção nas páginas centrais no ABC de Madrid -, ou do ex-misnistro Arnaud por algo que envolve as relações da política com a Banca internacional, com o BES pelo meio